quinta-feira, 9 de agosto de 2007

SÓ CREIO EM JESUS, DOUTOR

Odilon Trindade

Eu advogava numa pequena cidade do interior de Santa Catarina. Certa feita, apareceu uma senhora idosa em meu escritório, contando-me seu marido havia morrido recentemente e que, entre seus filhos, havia um que era doente mental. Qual a providência a ser tomada para que ele fosse representado no inventário, perguntou-me a mãe.
Comecei a explicar-lhe que, nestes casos, o juiz nomeia um curador para o incapaz.
Fui interrompido bruscamente:
- Doutor, eu sou evangélica e meu filho não vai ser tratado por nenhum curador (curandeiro).

O disfarce

Eu tinha um cliente que morava nos cafundós. Sair de lá, só a cavalo. Não existia estrada. Meus honorários eu recebia em porco. Isso mesmo: porco vivo; às vezes galinhas. Como a cidade onde eu atuava era pequena, existia um restaurante especializado em povo do interior: era o único que colocava uma colher ao lado do prato, já que muitos, desse pessoal, não sabiam manusear garfo e faca. O restaurante ficava na mesma rua onde tinha o meu escritório. Para ir a minha casa, eu passava defronte dele. O cliente conhecia o meu carro. À tarde, quando retornei ao escritório, ele estava me esperando em frente.
Cumprimentei-o e ele foi me dizendo:
- Seu “dotor”, eu vi o senhor passar na hora do almoço.
- Ah! Viu é? Desculpe-me, mas eu não lhe vi.
- Pois é! Eu “tava” ali na bodega do Gráineter, almoçando...
- É? Eu passei meio apressado. O senhor deveria estar dentro, almoçando...
- Nem! O senhor não viu um cavalo amarrado na frente da bodega?
- Vi!
- Pois era eu!

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O ESPANTALHO DE FANTASMAS






(Odilon Trindade – 03/7/2003)


O galo é um animal místico, ou pelo menos para mim é.
Na minha infância, os meus medos se intensificavam, principalmente, quando me via desperto, sozinho, mergulhado na escuridão da noite. À minha volta, todos dormiam e eu suava frio. Respirava discretamente, apenas para não morrer sufocado. Algo me dizia que um fantasma havia marcado encontro comigo para aquela noite. O pavor rondava meu leito como se, de um momento para outro, fosse explodir em macabros acontecimentos.
Todas as noites, após o jantar, meu pai e meus tios se reuniam e contavam histórias. Deve ter sido numa dessas conversas onde ouvi que os fantasmas não mais apareciam depois do galo cantar. Por isso, nas minhas noites de terror, eu ficava na torcida para que ele cantasse o quanto antes. Quando cantava, era um alívio ouvir sua cantiga. Acabava-se o martírio. Então eu poderia dormir com segurança. E dormia.
Nós tínhamos um galo que andava solto pelo terreiro junto com as galinhas. Um dia calamitoso ele voou até o alto de cerca, cantou e resolveu pular além do terreiro, para a rua. Sua liberdade não durou. Um caminhão deu fim na sua existência.
E agora? – pensei - Meu espantalho de fantasmas havia morrido.
Veio a noite, tétrica e sem luar. Ela vestia a túnica mais escura que possuía em seu roupeiro. Estava assombrosa.
Por todos os meios tentei manter, no máximo, os meus familiares acordados. Água, tomei mais de cinco copos. De vez em quando eu gritava que estava com sede. Febre, pensou meu pai. Constatada a farsa, mandaram-me dormir. Afinal, eu estava enchendo a paciência de todo o mundo.
Fechei os olhos e tentei me convencer de que era apenas uma questão de insegurança pela falta do galo. Não vi, nem lembro como, mas adormeci. Lá pelas tantas - maldita hora - me acordei com um estalido qualquer. Deveria ser daqueles da própria madeira se acomodando. Mas isto eu sei somente hoje. Naquele tempo, era o sinal do fantasma. Como já me haviam repreendido, não poderia mais pedir água. Só me restou então uma saída: sentei na cama e cantei de galo a todo peito.

domingo, 5 de agosto de 2007

Meu Santo Protetor





Santo Odilon



Não tenho nada de mórbido, muito pelo contrário, amo a vida. Mas, como a cultura da região, onde vivi, sempre inclui os contos e causos fantásticos, não poderia deixar de incluir a história do Santo que é o meu patrono e criador do "dia dos finados".



Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro
29/10/2004
Finados


A comemoração dos fiéis defuntos leva aos cemitérios do Rio de Janeiro uma multidão. Vão os que crêem e, também, os incrédulos, para reverenciar seus mortos e, quem tem fé, por eles rezar. Desde o início da Igreja os cristãos costumavam visitar os túmulos de seus mortos, muitos, mártires da Fé e na mais remota antigüidade, durante todo o ano, há ofícios fúnebres, missas exequiais e outras simples celebrações religiosas, recordando na prece os que nos antecederam na casa do Pai.
Nós lembramos nossos parentes e amigos falecidos normalmente no dia em que foram chamados para o céu. Porém, há uma outra data, a de 2 de novembro, que vigora em muitas partes do mundo, independentemente de crença religiosa.
O Dia de Finados teve início na Abadia de Cluny, França, no ano 998. O então abade Santo Odilon, no dia seguinte à Festa de Todos os Santos, 1 de novembro, estabeleceu uma “Comemoração dos Fiéis Defuntos”. Por ocasião do primeiro milênio desse fato, em 1998, o Papa João Paulo II enviou uma Mensagem, com data de 2 de junho daquele mesmo ano, dirigida ao Bispo de Autun, Châlon e Mâcon, que acumula também o título de Abade de Cluny, em honra desta grande Abadia, assim resumida: “Orando pelos mortos, a Igreja contempla, antes de tudo, o mistério da Ressurreição de Cristo, que nos obtém a vida eterna”. A partir dessa Abadia, difundiu-se, pouco a pouco, por todo o universo o costume de, nessa data, interceder junto a Deus, solenemente, pelos defuntos ou homenageá-los.
Santo Odilon chamou esse evento a “Festa dos Mortos”.


A morte seria um baile de fantasmas?





Duas Almas (UM CAUSO DE AMOR)

(Escrito por Lígia T. Woehl)


Por volta dos anos cinqüenta, final da década quarenta, na localidade da Brusca, município de Mafra, um fato triste, mas ao mesmo tempo impressionante, intriga as pessoas que, conhecedoras do causo, buscam uma respostas para as muitas dúvidas. Mateus, um dos filhos de um "bodegueiro", que era muito bem casado e com filhos, se apaixona por Salete, solteira de família pobre, órfã de pai, porém muito linda e de bom coração. Encontravam-se às escondidas. O pai, que se opunha ao namoro, seguiu o filho, e deparou-se com os dois amantes em esfuziantes abraços. Foi tudo muito rápido e o moço não teve tempo de explicar o que realmente havia brotado em seu coração. O pai desgostoso com as atitudes do filho, ameaçou-o de morte caso voltasse a se encontrar com a dita namorada. Mas como ninguém manda no coração, o amor falou mais alto. Claro que eles voltaram a se encontrar, e por desgraça, deram de cara com o velho. Inevitável: cheio de raiva o velho sacou do trabuco e ali mesmo diante da Igrejinha (lugar que abrigava os amantes), descarregou toda a sua raiva, matando o próprio filho.

Silêncio, no lugar e no coração dos dois apaixonados!

Passaram-se os meses! A moça, que estava grávida, entrou em trabalho de parto, pois seu amado deixara-lhe o fruto do amor vivido. Embora ocultasse por bom tempo, não teve como encobrir a gravidez. Para não ser percebida pelas pessoas, ela escondeu-se mais ainda em uma tapera nas proximidades. Resultado, sozinha e sem assistência, não resistiu ao parto, morreu. Ela e o recém nascido. Pessoas que passavam por aquele local, perceberam alguma coisa estranha e encontraram a pobre e seu filhinho esvaídos em sangue. Tarde demais! Estava morta! Ainda quentinha, segurava nas mãos a medalhinha que seu amado lhe dera em vida.


Fizeram velório, sepultaram, no mesmo cemitério, pois era o único da região. No ano seguinte, no dia das almas, costume até hoje conservado por todos nós, os familiares dos dois apaixonados, levaram flores e coroas feitas de flores artificiais ao túmulo de seus filhos. Por volta de meio-dia e meia deu uma ventania muito forte levantando tudo para o alto. Parecia que o mundo ia acabar. Durou apenas alguns minutos, o suficiente, para as flores assentarem novamente sobre as tumbas. Claro que muitas ficaram no chão, ou até fora do cemitério. Porém o mais curioso é que, procurando as devidas coroas de flores dos apaixonados, constaram que : a coroa da moça e a do moço haviam trocado de lugar, sem que alguém tivesse colocado a mão. Alguns ficaram maravilhados, outros, no entanto, ficaram indignados, pois nem a morte havia separado os eternos enamorados.

Até hoje o fato é lembrado com muito respeito.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

COMEÇO DE PROSA



Prosear nada mais é do que ocupar o tempo com divagações. Contar coisas interessantes é bom, ouvir é melhor ainda. Prosa chata é quase como um chá de jervão: amargo, enjoativo. Experimenta-se um gole e cospe-se a amostra. Havia um contador de "causos" que podia passar a noite falando e as pessoas ao seu redor ficavam atentas, esperando mais. Isso é uma arte. Tomara que ela floresça nessa roça que estou começando a plantar.