domingo, 14 de novembro de 2010

O estranho casal



Para quem não sabe, arigó é a alcunha que se dá a trabalhadores que exercem o serviço braçal numa obra ou linha de produção. Pois bem, essa história me foi contada por um parente meu que trabalhou como arigó na construção da Estrada de Ferro Rio Negro – Caxias, no Sul do Brasil.
Contou que, quando estavam construindo o túnel 13A, na serra do Espigão, na região catarinense da estrada, tinham que, forçosamente, passar pelo túnel 12, um dos mais longos e não retilíneo. A travessia era feita de vagonete.
Quando se aproximaram da entrada Norte deste túnel, por volta das nove horas da manhã, avistaram duas figuras humanas que deduziram ser um casal pela performance e compleição de cada um. Ambos vestiam túnicas de cor alaranjada e, notadamente, assustados com o aparecimento súbito dos trabalhadores, fugiram para o interior do túnel. Os arigós acharam estranha a atitude do casal e, mesmo sem entender, prosseguiram o curso e, ainda, puderam divisar o vulto dos dois quando atingiram a entrada do túnel. Viram quando pareceram ter se encostado na parede úmida do túnel, como que esperando a passagem do vagonete, já que não havia sido construído qualquer salva-corpo, ou, abrigo de proteção. Um dos arigós, levantou a lanterna de querosone para melhor enxergar o casal. Nesse momento, uma fissura larga se abriu na parede e os dois penetraram por ela; logo em seguida a greta se fechou.
Os trabalhadores, até mesmo por temerem pela segurança na estrutura do túnel, pararam e foram investigar. Não acharam qualquer irregularidade na parede, nem qualquer indício de abertura. Apesar de baterem com o cabo das picaretas, não perceberam qualquer ruído ou som que desse pista de uma parede falsa.
Somente a rocha pura respondia. Nunca mais viram ou souberam notícias do casal.

domingo, 7 de novembro de 2010

A FENDA


Esta foi, talvez a história mais intrigante que ouvi nos últimos tempos. Claro que não impus nem um pouco de cepticismo pela forma espontânea que foi contada, apesar de sempre imprimir aquela velha postura dos tempos em que eu advogava. É muito importante que se dê atenção aos detalhes. Se não existir a veracidade, muitas vezes o narrador se perde em contradições. Contudo, quero que fique estampada a minha condição de apenas estar reproduzindo o que ouvi. Foi numa viagem de ônibus e o meu companheiro de poltrona, quando soube que eu era catarinense, contou-me a história.
O narrador disse que era de uma geração de pescadores e esteve pescando em quase toda a costa brasileira. O fato, segundo ele, ocorreu numa região próxima da divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina. A região exige certos cuidados porque é constantemente assolada por tempestades com ventos fortes. Era madrugada, ainda, quando ele e os outros três homens da tripulação se dirigiam ao lugar onde haviam estendido as redes. O céu indicava prenúncios de tempo bom. Não havia qualquer alerta nos boletins meteorológicos. Estavam a, aproximadamente, vinte milhas da costa. Num súbito instante, escutaram o que parecia ser o estrondo de um trovão quase sobre a embarcação. Os quatro se entreolharam assustados, temendo não terem registrado algum detalhe do boletim do tempo. No mesmo instante, ficaram pasmos com a brecha clara e pálida que começou a se formar no zênite, espalhando-se por todo o horizonte até o nadir, bem na proa da embarcação. Uma espécie de nevoeiro escapava misturando-se ao céu estrelado. Logo, surgiram três figuras pálidas e vaporosas, mas que, segundo o narrador, tinham o formato do “escudo do Vasco da Gama” sem a parte de cima, na concepção dele, ou seja, três cruzes de malta sem a parte superior. Essas figuras bailavam no espaço, ora se uniam para logo depois se separarem. Maravilhados e ao mesmo tempo assustados, contemplaram o fenômeno por, aproximadamente, três a quatro minutos. Depois, as figuras se uniram em uma só, e foram se distanciando no infinito até desaparecerem. A fenda foi se fechando e o céu voltou ao normal. Os quatro se perguntaram se todos haviam visto a mesma coisa. A confirmação foi unânime. Ao retornarem a terra, perguntaram discretamente se mais alguém testemunhara alguma coisa diferente, mas diante da negativa, resolveram se calar. Depois de anos de discussão e dúvidas, resolveram contar que haviam visto três anjos. Os que ouviam, porém, davam gargalhadas e diziam ser apenas mais uma história de pescador. Nunca mais vi o meu companheiro de viagem que desceu num ponto no meio do caminho.